Por: Vivian C. A. Lopes
Sabemos que só devemos fazer uma afirmação categórica, quando temos certeza de um fato. Do contrário, cabe fazer a afirmação utilizando palavras que encerram o benefício da dúvida, como
“provavelmente”, “talvez”, etc. Em uma ciência de qualidade, isso é imperioso.
Sobre se o evangelista bíblico Lucas era gentio ou não, o que tenho visto agora choca pela imprecisão. A verdade, por definição, é irrefutável. Uma coisa são hipóteses, mas outra bem
diferente, é fazer a afirmação categórica que Lucas era gentio, baseado unicamente, nas suas suposições. Enquanto há comentários que se dão pelo menos ao benefício da dúvida, a imprecisão de certas Bíblias de Estudo e artigos por aí, feitos às pressas e que simplesmente copiaram de comentaristas imprecisos, tomaram como certo o que não podem provar.
Um dos primeiros bispos da Igreja, Eusébio de Cesaréia[1], nascido por volta de 260 D. C., escreveu um clássico sobre a história da Igreja, intitulado História Eclesiástica. Claro que esses documentos são valiosíssimos, quanto mais perto foram registrados a partir dos fatos ocorridos. No capítulo 4, “ Os primeiros sucessores dos apóstolos”, ele menciona Lucas: “ Mas Lucas, nascido em Antioquia e médico de profissão, por muito tempo companheiro de Paulo e bem familiarizado com os outros apóstolos, nos deixou em dois livros inspirados as instituições daquela arte de cura espiritual que deles obteve. (...) Também se diz que Paulo costumava citar o evangelho de Lucas, uma vez que quando escrevia sobre algum evangelho, chamando-o seu, dizia: “ de acordo com o meu evangelho” ”.
Vemos então que num relato histórico bem próximo daquela vida terrena do Senhor Yeshua, nada se diz que Lucas era um gentio. Não é lógico pensar que um fato tão diferente, de em toda
a Bíblia, durante milhares de anos, ser encontrado um autor de fora do povo de
Israel, não fosse digno de nota?
Quem aventa a possibilidade de Lucas ser um gentio, baseia-se em Colossenses 4: 10-14: como Lucas não é citado no grupo que Paulo intitulou de “ da circuncisão”, deduzem que era um gentio.
Há quem chega a ir muito longe, afirmando que a prova dessa gentilidade é o fato da genealogia do Senhor Yeshua terminar em Deus, enquanto a de Mateus, reforçar que Ele É “filho de Davi, filho de Abraão”. Para esses, o apóstolo Mateus citar Abraão é prova de que o autor é judeu. Mas aí, não estão tirando a inspiração do Espírito Santo? Pois a Bíblia diz que nenhuma Escritura foi escrita por vontade humana, mas ao contrário, homens santos escreveram pelo Espírito Santo. Então, com esses que questionam a santidade das Escrituras para colocarem suas preponderâncias
mentais, eu não tenho nada.
O próprio Lucas, de cara no primeiro verso do primeiro capítulo do livro conhecido pelo seu nome, afirma sobre os fatos que “aconteceram entre nós”. Dado que O Senhor Yeshua nunca saiu
de Israel em Seu ministério terreno, não que saibamos, esse “nós” se refere a quem? Ao povo que estava em Israel naquela época! Nas festas bíblicas, por exemplo, por mandamento, os judeus espalhados pelo mundo, vão a Jerusalém participar das festas. Foi numa ocasião especial assim, durante o Pentecostes, que O Espírito Santo iniciou Seu grande derramamento sobre toda a carne:
começando em Israel, com os judeus fervorosos no Único Mashiach de Israel. Quem os ouvia falar em outras línguas? Todos os judeus originários de outras partes do mundo, que vinham para ali- certamente incluindo gentios que pudessem estar ali também. Acreditamos que Lucas era um destes judeus da dispersão. O apóstolo Paulo, conhecido também como Paulo de Tarso, era um judeu de Tarso.
Em Atos 13:1, encontramos o nome de Lúcio de Cirene, citado entre os profetas e doutores de Antioquia. Como sabemos por Eusébio, Lucas era de Antioquia. Esse Lúcio, em grego Loukios, tem
grafia muito similar a Lucas. Hipotiza-se que possa ser o próprio Lucas, e nesse caso, seria parente do apóstolo Paulo. De qualquer maneira, Lucas estava ali, em Israel; ele diz que os fatos que relata “aconteceram entre nós”, o que parece sugerir que o próprio Teófilo também era um judeu. Teófilo (heb: amado de Deus), era “um nome judeu comum”[2]. Segundo Keener[2], Teófilo teria sido o
patrocinador do trabalho de Lucas. Dake [3] afirma sobre Lucas: “ Ele era judeu e talvez o Lúcio de Rm 16:21, At 13:1”.
O espirituoso comentarista bíblico Orlando Boyer, no seu comentário de Lucas, escreve: “ Lucas era de descendência judaica. O bom estilo do grego que escreveu indica que era judeu da dispersão.
Conforme a tradição era judeu de Antioquia, como Paulo o era de Tarso. Entre os
escritores antigos, somente Gregório afirma que Lucas morreu mártir”. [4].
Houve uma tradução da Bíblia do hebraico para o grego feita por setenta sábios judeus, que ficou conhecida como Septuaginta, ou Setenta. Na análise dos comentaristas da Bíblia de Jerusalém, Lucas redige “de forma maravilhosa o estilo bíblico da Setenta”[5]. Sim, ele escreve no grego no formato da
literatura hebraica, na tradição narrativa hebraica[6]. O grego de Lucas só é comparável ao notável grego do livro de Hebreus. E embora desconheçamos o autor do livro de Hebreus, desconheço qualquer hipótese de que ele seja um gentio. A título de exemplo, o comentário de Keener [2], de que os termos usados para descrever Zacarias e Isabel em Lucas, são os mesmos contidos na Torah para descrever Noé (Gn 6:9) e Abraão (Gn 17:1), dentre outros, como justos. Quem lê entende que embora
Zacarias e Isabel não fossem perfeitos, eles não violaram os mandamentos para ter como conseqüência a esterilidade.
Concluindo, particularmente vejo fortíssimas evidências de que Lucas era de descendência hebraica, e que portanto a Bíblia não tem nenhum autor não judeu, não sendo o escritor Lucas uma exceção. O fato da genealogia do Mashiach terminar “em Deus”, as duas genealogias, de Mateus e de Lucas, magnificamente apontam para a mesma realidade: O Senhor Yeshua é filho de Davi tanto pela genealogia de José (Mateus) como pela de Maria (Lucas). O grego semítico de Lucas e a forma da
narrativa da literatura hebraica em sua obra, além de ele próprio ter dito no primeiro verso do seu primeiro livro, que esses fatos aconteceram “entre nós”, insere Lucas num contexto hebraico muito forte e não vejo razão na Escritura para não considerá-lo como tal. Colossenses 4:14, que não está dizendo que Lucas era gentio nem que era judeu, deveria ser tomado de forma isolada para se concluir mediante unicamente a posição de uma citação, após os “da circuncisão” e ser desconsiderada a análise do próprio livro de Lucas? Entretanto, em nenhum momento nenhum dos evangelhos nem de qualquer livro da Bíblia, coloca o autor do livro como o objeto do mesmo, nem a
sua raça. Essa não é a finalidade, e Deus não transfere Sua glória a outrem. As Escrituras apontam para A Palavra, para O Mashiach. Apenas quis fazer esse breve apanhado sobre Lucas, porque há comentários imprecisos que, sem prova, afirmam que o mesmo era gentio e em cima disso, constroem uma teologia, de que “era um autor gentio, escrevendo para gentios”, e isso não é um comportamento interessante. Não são as Escrituras para toda a humanidade? Toda e qualquer
parte dela, acessível a todos? A Palavra de Deus foi dada através de Israel desde O Sinai, ainda no deserto, para todo o mundo, e ela alcança todo o mundo. Nós, meros mortais, não temos a menor relevância nessa glória, nenhuma glória. A Bíblia não é um livro humano, mas A Palavra Viva. Sua estrutura lingüística não é humana – e isso é conclusão de uma proeminente lingüista internacional. A
Bíblia, toda ela, é gloriosa porque é divina. Ao Deus Eterno, Bendito seja Ele,
toda a glória.
Referências
[1] Cesaréia, Eusébio de. História Eclesiástica. CPAD, 3ª edição, 2000.
[2] Keener, Craig. Comentário Bíblico Atos Novo Testamento. Editora Atos, 2003, pg.195.
[3] Dake, J. Bíblia de Estudo Dake. Sumário do livro de Lucas. Editora Atos, 2011.
[4] Boyer, O. Espada Cortante, V.2: Lucas, João, Atos. “O autor do terceiro evangelho”, pg. 12. Editora CPAD,
[5] Bíblia de Jerusalém. “Introdução a Lucas” e comentários de Lucas cap. 1. Editora Paulus, 2011.
[6] Bíblia do Peregrino. “Evangelho de Lucas. Introdução”. Editora Paulus, 2011.